Sul de Floripa

Pesquisa da UFSC: idosos carentes de vitamina D têm duas vezes mais risco de depressão

A vitamina D e seus benefícios para a saúde se tornaram um tema comum, especialmente durante a pandemia de Covid-19, quando informações, muitas vezes falsas, circularam pelas redes sociais com promessas milagrosas. No entanto, é preciso recorrer à ciência para entender seu papel real no corpo humano. Além de ser essencial para a saúde óssea, há ainda espaço para estudos sobre sua influência na saúde mental.

Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), uma pesquisa ajudou a desvendar a relação entre a vitamina D e a depressão em idosos da capital do estado, Florianópolis. A partir de dados do estudo EpiFloripa Idoso, foi possível concluir que idosos com deficiência da substância têm risco 2,27 vezes maior de ter sintomas depressivos, quando comparado a aqueles com nível normal. Nesse grupo com deficiência de vitamina D, o risco aumentou a longo prazo: chegou a ser 2,9 vezes maior de 2 a 5 anos após a medição. Adotou-se uma referência internacional, considerando menos que 20 ng/mL como deficiência e, entre 20 e 30 ng/mL, insuficiência.

O estudo também mostra que mulheres, idosos com obesidade e com maior nível de colesterol LDL, tendem a ter níveis baixos. O mesmo acontece com idosos que dependem mais de outras pessoas em atividades diárias, como comer, tomar banho e se vestir. Mas um fator ajuda a protegê-los: a atividade física.

Esse é o resultado de quatro anos e meio de trabalho em pesquisa de Doutorado de Gilciane Ceolin, que defendeu sua tese em 2022, com orientação da professora Júlia Dubois, do Programa de Pós-Graduação em Nutrição da UFSC. A pesquisa foi viabilizada por meio de bolsa concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

A ideia surgiu a partir da parceria do grupo de estudos em Neurociência Nutricional Translacional com o grupo de pesquisa EpiFloripa Idoso. Dubois orientou a pesquisadora desde o mestrado.

“Esse tema estava despontando e, no mundo inteiro, são poucos estudos que abordam especificamente a questão do idoso”, explica a orientadora.

Ceolin (à esquerda) com o grupo de pesquisa NeuroMood Lab, do Centro de Estudos de Neurociências da Queen’s University, no Canadá. Foto: Gilciane Ceolin.

Ceolin conta que, antes da sua tese, encontrou apenas um artigo brasileiro que investigava a relação entre vitamina D e sintomas depressivos em idosos. Dessa forma, ela ajuda a diminuir a lacuna de estudos em países de baixa e média renda, onde o acesso a tratamentos para depressão é mais baixo.

A pesquisa rendeu o Prêmio CAPES de Tese de 2023, na área de nutrição, e concorre ao Grande Prêmio CAPES de Tese, que será entregue em dezembro de 2023.

“É muito gratificante, por vir do interior, com poucos recursos, sempre estudei em escola pública e com bolsa em universidade privada, e por enfrentar muitos desafios ao longo da jornada. Espero que seja uma inspiração para os próximos doutorandos”, comenta Ceolin.

Para a orientadora, um destaque do trabalho é a publicação de sete artigos em revistas científicas relevantes. Durante o doutorado sanduíche na Queen’s University, de Kingston, no Canadá, Ceolin trabalhou com um grupo de pesquisa em Psiquiatria Nutricional e chegou a publicar dois artigos, em um periódico nacional e um internacional.

“Ela usou diversos métodos para cercar essa essa mesma questão. Em uma tese, a gente tá contando uma história e eu acho que a história dela foi contada de diversas formas, contornando o tema central”, afirma Dubois.

A ciência por trás da vitamina D

Há mais de 350 anos que os cientistas se interessam pela vitamina D, com as primeiras descrições do raquitismo em crianças, uma doença causada pela falta da substância. Hoje, entende-se que ela é uma vitamina solúvel em gordura que desempenha funções em diversos órgãos do corpo. Embora alguns estudos a considerem um hormônio, ainda não é consenso na comunidade científica. Também já se sabe que há três fontes de obtenção: exposição solar, suplementação ou alimentação. Cerca de 80 a 90% da obtenção vem da exposição solar ou da suplementação.

Tomar sol tá valendo!

Quando tomamos sol, a radiação ultravioleta (UVB) entra em contato com a pele. Com a exposição, inicia um processo que dura várias horas até que algumas moléculas se transformem em vitamina D, mais especificamente na forma de D3, ou colecalciferol.

Estudos mostram que tomar sol todo dia, por 7 a 30 minutos, nas mãos, braços e rosto é capaz de suprir as necessidades diárias. Entre 9h e 15h, horários de pico solar, é quando há mais radiação UVB. Entretanto, há discussões sobre o efeito dos raios na pele, tanto que a Sociedade Brasileira de Dermatologia dá recomendações diferentes: tomar sol por 5 a 10 minutos, evitando os horários entre 10 e 15 horas, em áreas que costumam estar cobertas, como pernas, costas e barriga.

Da mesma forma, não há consenso se o filtro solar influencia o processo.

“Estudos mais recentes têm mostrado que o uso de protetor solar não reduz a produção de vitamina D, sendo seguro usar para evitar o risco de câncer”, sugere Ceolin.

Desafios da dieta brasileira

A forma da vitamina que encontramos na comida é a D2 ou ergosterol, que é absorvida no intestino depois que comemos. Na prática, a alimentação não costuma atender as necessidades diárias, pois os alimentos ricos em vitamina D estão fora da dieta da maioria dos brasileiros. São eles: cogumelos, peixes gordurosos e óleo de fígado de bacalhau.

Os peixes gordurosos, como o salmão, precisam ser selvagens para ter uma quantidade significativa da substância, além de que seria preciso consumi-los todos os dias.

Os famosos suplementos

Os suplementos costumam entrar em jogo, a partir de recomendação médica, quando os níveis estão baixos. Em cápsulas, comprimidos ou gotas, eles podem conter tanto a forma D2 quanto a D3, mas já existem estudos que indicam a D3 como mais eficiente.

A necessidade de suplementação deve ser avaliada por um profissional da medicina ou nutrição, após a realização de exame de sangue. Ela pode ocorrer com “doses de ataque” iniciais, para atingir o nível esperado, e, depois de um período, doses reduzidas para manter os níveis ideais.

Idosos e pessoas com a pele mais escura devem estar mais atentos. Com o envelhecimento, as células passam a ter mais dificuldade de absorção da vitamina, além de sofrer interferência de alguns medicamentos. Já a melanina, pigmento que dá cor à pele, absorve os raios do sol e diminui a produção da substância.

Também é comum ter níveis mais baixos durante o outono e o inverno, períodos em que a incidência de raios solares diminui, enquanto as pessoas tendem a usar mais camadas de roupa.

O que acontece no corpo?

Depois de ser absorvida no intestino ou produzida na pele, a vitamina D é transportada até o fígado, onde passa por uma transformação e assume uma forma que chamamos de inativa. Em seguida, acontece a ativação nos rins, de modo que as duas formas — ativa e inativa — ficam disponíveis no sangue e servem para medir o nível da vitamina.

Ainda não há consenso entre agências e países sobre como interpretar os resultados dos exames. A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) dá recomendações diferentes para 1) população em geral, adultos e crianças, e 2) população de risco para baixo nível de vitamina D. Fazem parte do último grupo pessoas com mais de 65 anos, grávidas, ou que tenham osteoporose, hiperparatireoidismo secundário, doença renal crônica ou câncer, bem como quem usa medicamentos que podem afetar o metabolismo da vitamina.

Enquanto a concentração no sangue é medida em nanogramas por mililitros (ng/mL), as doses diárias e a suplementação são medidas em Unidades Internacionais (UI). Um consenso recente indicou recomendações diárias que variam de acordo com a idade e fatores de risco.

Através do sangue, a vitamina D chega a diversas partes do corpo, nas células que têm receptores da sua forma ativa. Também há órgãos, como o cérebro, que conseguem fazer a ativação.

4 mitos sobre a vitamina D

Não precisa de orientação médica para começar a tomar suplementos. Antes de ir à farmácia, consulte um médico ou nutricionista para pedir um exame de vitamina D no sangue. O resultado orientará sobre a necessidade e a melhor forma de suplementação.

Vitamina D nunca é demais! Pelo contrário, exagerar na dose gera excesso de cálcio no sangue. Níveis acima de 100 ng/mL podem causar náuseas, vômito, fraqueza, falta de apetite, desidratação e complicações nos rins.

Precisa tomar sol para que a suplementação tenha efeito. Tomar suplementos, na verdade, funciona independentemente do quanto a pessoa se expõe ao sol, ou ingere alimentos ricos em vitamina D, pois são formas diferentes de obter a substância.

Vitamina D previne ou cura Covid-19. Na pandemia, foi observado que pacientes graves tinham níveis mais baixos da vitamina. Há muitos artigos publicados sobre o tema, mas nem todos seguiram rigorosa metodologia científica. O problema é o viés da idade, já que os idosos, população de risco de gravidade para a Covid-19, também costumam ter deficiência da substância.

“A gente não pode tomar um artigo como verdade. E uma revisão sistemática e metanálise, que quase sempre é o que dita se aquilo já pode ser tomado como verdade ou não, também pode ter falhas”, alerta Ceolin.

Saúde mental

A depressão é a 2ª principal causa mundial de incapacidades, de acordo com a Global Health Metrics (2019). As pessoas passam a ter um humor triste, irritável e vazio, além de perder a sensação de prazer e interesse nas coisas. Os sintomas afetam todas as esferas da vida e, em casos mais graves, podem até levar a tentativas de suicídio.

A pesquisa da UFSC buscou encontrar conexões entre a vitamina D e este transtorno, com foco na população idosa de Florianópolis – SC. Ela ajuda a desvendar os riscos dos baixos níveis da substância para além dos conhecidos: fratura dos ossos, fraqueza muscular e queda.

“É uma população de risco, tanto para sintoma depressivo quanto para vitamina D, então é uma amostra que tem que ser diferenciada da população adulta”, defende a pesquisadora Gilciane Ceolin.

Complexa, a depressão surge a partir de fatores sociais, psicológicos e biológicos, principalmente quando passamos por lutos e traumas. “Acontecem diversas coisas, transição de vida, perda de familiares ou amigos próximos, que deixam esse idoso mais propenso a ter sintoma depressivo e até depressão”, complementa Ceolin.

A pesquisadora usou dados do estudo EpiFloripa Idoso, que acompanhou mais de 1702 idosos na capital catarinense em três ondas de coleta, entre 2009 e 2019. Destes, 574 participaram da pesquisa. Nos anos de 2014 e 2015, quando foram realizados exames de sangue, mais de 67% dos idosos tinham níveis abaixo do recomendado (30 ng/mL).

A análise dos dados permitiu descobrir o risco aumentado de sintomas depressivos em idosos com deficiência da vitamina, além da obesidade como fator de risco a longo prazo. A orientadora Júlia Dubois adverte que não é causa-consequência, mas existe uma relação entre os fatores. “Observamos que a maioria dos idosos não faz suplementação, isso mostra o quanto a gente precisa monitorar os níveis”.

Mecanismos no cérebro

O mecanismo da vitamina D no cérebro ainda não está totalmente explicado. Até hoje, estudos com animais descobriram que ali dentro há enzimas que ativam a vitamina D. “Esse é um sinal de que ela tem funções importantes, porque o órgão não depende da forma ativa estar disponível no sangue, ele garante esse processo”, aponta Dubois.

Como algumas células cerebrais têm receptores da vitamina, o desafio dos cientistas é entender como ela atua. Um exemplo é a atividade das células de defesa do cérebro, que é controlada parcialmente pela substância. Dubois destaca a ação sobre a sobrevivência dos neurônios e a proteção contra inflamação exagerada no cérebro como os principais mecanismos primários conhecidos até agora.

Também observa-se uma influência na produção da melatonina, hormônio é relacionado à qualidade do sono, ao relaxamento e ao bem-estar. “Com um sono melhor, os mecanismos de reparo cerebral estão mais garantidos”, explica Dubois. De forma menos direta, a vitamina D influencia a produção de receptores de dopamina e serotonina, que fazem parte do quarteto de “hormônios da felicidade”, junto à endorfina e à ocitocina. Pesquisas com animais chegam a mostrar uma ação semelhante ao antidepressivo fluoxetina, mas não são suficientes para comprovar o efeito em humanos.

Ao concluir que a deficiência da vitamina D leva a um risco maior de sintomas depressivos em idosos de Florianópolis, a pesquisa coloca um tijolo a mais na parede do conhecimento científico sobre a relação dela com a saúde mental. Porém, é preciso mais estudos para defini-la como fator protetor para depressão.

“Ainda não tem o martelo final, porque tem muita variabilidade entre os estudos. Há estudos que, por exemplo, não usam um padrão ouro de medir a vitamina D ou usam diferentes tipos de escala ou diferentes formas de mensurar o sintoma depressivo”, explica Ceolin.

Futuro das pesquisas

Ainda há muito espaço para investigar os efeitos da substância no corpo humano, que por enquanto são controversos, ao ponto de existir uma Conferência Internacional sobre Controvérsias em Vitamina D. “A gente ainda não conseguiu provar tudo que ela faz no corpo. Tem muitos estudos com animais que precisam ser confirmados e, ao mesmo tempo, a gente vê nas redes sociais as pessoas propagando protocolos de superdosagem de vitamina D”, destaca Dubois.

Faltam estudos clínicos para investigar se a vitamina D seria um tratamento coadjuvante para depressão ou se auxiliaria mais na prevenção. Portanto, Dubois recomenda ter cuidado.

“Quando um tratamento é bom para tudo, ele não é bom para nada, porque não existe algo que seja bom para tudo. Eu acho que muitos cientistas têm tratado a vitamina D assim. A gente precisa saber como [suplementar], quanto tempo, qual a magnitude do efeito, como é esse efeito frente a outros tratamentos mais consolidados”.

Na UFSC, o grupo de estudos em Neurociência Nutricional Translacional segue na busca por relações entre nutrição e saúde mental, com a colaboração de Ceolin. A pesquisadora continua a trajetória acadêmica com um pós-doutorado na University of British Columbia, em Vancouver, no Canadá. Ao longo de dois anos, ela vai trabalhar com dados de um estudo canadense sobre o envelhecimento, Canadian Longitudinal Study on Aging, na área da Epidemiologia Nutricional.

Luiza Casali / estagiária da Agência de Comunicação/UFSC

 

Pesquisa da UFSC: idosos carentes de vitamina D têm duas vezes mais risco de depressão 1