Sul de Floripa

Três personagens que marcaram a história do Rio Tavares

É raro quem pesquisa o passado do lugar onde irá viver, a maioria tem como critério o presente, ou seja, localização, preço e conforto. Mas você sabia que toda comunidade possui uma personalidade, e que isso poderá te encantar ainda mais na hora da escolha?

Conhecida por suas infinitas possibilidades em moradia, trabalho e lazer, a comunidade do Rio Tavares, de tão extensa, já chegou a ter quatro subdivisões: Fazenda do Rio Tavares, Cachoeira do Rio Tavares, Porto do Rio Tavares e Cruz do Rio Tavares. E durante esse batizado popular, três personagens foram muito importantes na sua história, Padre Braun e o casal Darci e Juliana.

 Uma igreja feita de pedra e espírito de comunidade

Seo Darci Nunes e Dona Juliana, dois moradores da antiga comunidade da Cruz do Rio Tavares, se conheceram numa domingueira no ano de 1950. Amor à primeira vista, se casaram e foram morar num casarão açoriano, nas terras do senhor João Tavares. Em troca da moradia e do cultivo da mandioca, cana-de-açúcar, batata-doce, abóbora, café, melancia, eles negociavam parte da criação de gado com o dono da propriedade.

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Padre Braun – Acervo Colégio Catarinense.

Pouco tempo depois apareceu em sua porta, um Padre chamado Alvino Bertholdo Braun, mais conhecido como Padre Braun.

Não demorou para que todos da comunidade soubessem que o objetivo do padre era construir um lugar de oração e, no ano de 1952, seo Darci e boa parte da vizinhança ajudaram na construção da Capela de Pedra da Cruz do Rio Tavares. As pedras utilizadas eram da própria região e transportadas por seo Darci em carros de boi. O terreno logo ficou conhecido como Fazenda dos Padres.

As primeiras missas foram rezadas no portal de entrada da capela, que tinha como padroeiro São Luiz Gonzaga e Nossa Senhora de Fátima. Uma curiosidade é que o nome do segundo filho do casal Darci e Juliana é Luiz Gonzaga, em homenagem ao santo padroeiro.

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Igreja de Pedra “São Luiz Gonzaga”, no dias atuais. Foto Sul de Floripa.

Muitos não sabem, mas as mesmas terras que seo Darci e dona Juliana moraram serviram como local para alfabetização, pista de cavalos, campo de futebol, área de treinamento militar, movimento de escoteiros, além de fornecer água limpa por uma bica d’água, durante um bom tempo, para toda a comunidade e transeuntes que ali passavam.

Em entrevista, o filho com nome de santo, Luiz Gonzaga, afirmou que Padre Braun foi peça fundamental para o fortalecimento da comunidade do Rio Tavares. “Convivi muito com ele na minha pré-adolescência e lembro que ele caminhava, a pé, do Colégio Catarinense (no centro da cidade) até o Rio Tavares, pelo meio do mato, e sempre trazendo muitas doações para a comunidade.

O autor do livro “Campeche – Um lugar no sul da ilha”, Hugo Adriano Daniel, escutou vários relatos de dona Juliana e um deles era sobre a rotina de trabalho do marido com o amigo Padre Braun. “Ela dizia que o marido e o padre tinham uma longa conversa quando chegava o fim de semana, pois de segunda a sexta o padre trabalhava como diretor do Colégio Catarinense. Quando chegava o sábado, seo Darci passava todas as informações da semana para o Padre Braun, e o padre fazia questão de conhecer outras pessoas da comunidade em busca de novas lideranças”.  Dona Juliana ainda disse ao escritor que, muitas vezes, falava ao padre sobre as famílias mais necessitadas e que o padre sempre conseguia doações, preocupado com a saúde do povo da região.

Relatos apontam que a proximidade do casal ao padre foi um dos ingredientes que marcaram o crescimento de toda a região do Rio Tavares.

Um exemplo de mulher à frente do tempo

O dito popular que diz “Por trás de um grande homem, sempre existe uma grande mulher” traduz, em parte, a participação de dona Juliana. Na verdade, para todos que conheceram essa mulher, dona Juliana nunca esteve atrás, mas sim ao lado de seo Darci.

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Dona Juliana – Acervo da família.

De acordo com o filho Luiz Gonzaga, a mãe já se destacava quando colocava a educação dos filhos como prioridade. “Minha mãe era inteligente, bem informada, apaixonada por jornal impresso, tanto que aguardava ansiosa a chegada de cada edição nova, pela manhã. O que a motivava mais era trabalhar para ver todos os filhos formados e encaminhados.”

Além de ler, ela também assistia programas religiosos e jornais locais, em diferentes canais da televisão. O que mais espantava o filho, graduado em Sociologia, era sua atenção ao conteúdo das notícias. “Minha mãe questionava quando as emissoras davam uma interpretação diferente para o mesmo fato e logo me perguntava sobre qual delas estaria falando a verdade”.

Além de cuidar da casa, dos filhos, dona Juliana ajudava no orçamento familiar tecendo rendas de bilro, na lida da roça e com a criação de gado.

Nos três encontros que teve com o escritor, a esposa do seo Darci repetia sempre que o marido foi um homem bom e que eles nunca brigaram. Inclusive, o filho Luiz Gonzaga diz ter aprendido muito sobre casamento com os pais. “Meus pais tiveram que superar muitas dificuldades, seja no relacionamento ou na parte financeira. Mas eles sabiam que isso fazia parte e que o objetivo era sempre reconciliar as divergências. Às vezes, eu via a mamãe ceder para que o conflito terminasse. Era como uma estratégia sua para conseguir o que queria depois. Ela recuava 2 passos para avançar 10 de uma vez”, relatou o filho, que ainda disse que o segredo para o casamento dos pais durarem foi a sabedoria em lidar com as dificuldades e o valor que ambos davam a família.

Seo Darci e a dona Juliana guiavam a educação dos filhos mantendo a linha perante eles, com retidão e compromisso com a família. Para os filhos do casal, o maior aprendizado que receberam dos pais foi o respeito que precisavam ter com o próximo. “Minha mãe criou os filhos com educação própria, no sentido de sempre respeitar a todos e nunca se aproveitar do que não é seu”.

A união do casal seguiu até fevereiro de 2002, quando seo Darci faleceu após um trágico acidente de carro, que levou também seu filho mais velho a óbito. O casamento durou 51 anos e, pelos 49 anos trabalhando nas terras do senhor João Tavares, o casal foi indenizado com uma propriedade no outro lado da estrada, oposto a Igreja de Pedra, com escritura lavrada em cartório.

Pouco antes de partir, aos noventa anos, dona Juliana esboçava uma memória invejável e, durante a entrevista com o escritor Hugo, dizia: “Olha meu filho, já fui uma moça e bonita. Agora já sou uma idosa, mas feliz por ter minha família por perto. Mas nunca vou esquecer do Darci. Ele faz muita falta. E também sinto falta do padre Braun”.

Ela faleceu em 2019 e, segundo o filho Luiz, além da saudade do seo Darci e da amizade com padre Braun, ela afirmava ter muita gratidão por tudo que os que três construíram juntos.

Como você vai contribuir com a história do seu bairro?

A cada novo morador que chega, a comunidade tem a chance de melhorar, em diversas áreas, seja no comércio, na sustentabilidade, nas obras sociais, na saúde, na espiritualidade, na cultura e em muitas possibilidades.

A grande comunidade do Rio Tavares iniciou sua história a partir do amor, do trabalho e de muita solidariedade. E se você conversar com os moradores mais antigos, irá sentir isso de perto. Tem motivo mais encantador para colocar esse bairro na lista de bons lugares para se viver, trabalhar e se divertir?

Farah Diba Albuquerque

Apaixonada por viagem e turismo, Farah Diba Albuquerque não é manezinha no DNA, mas mora em Floripa há quase 30 anos. Fez duas faculdades: Direito e Jornalismo. Mas assume que a vocação é ouvir histórias, entrevistar pessoas e escrever sobre o que vê e sente. Já morou em vários cantos do arquipélago da magia, mas foi só no Sul da Ilha que encontrou o que precisava para escrever seu primeiro livro. É nesse pacote *{natureza, história e espírito de comunidade}* que descobriu um dos presentes da terra. Jornalista do site Sul de Floripa.