
Um estudo inédito liderado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) traz novos dados alarmantes sobre as mudanças climáticas e seus impactos nos ecossistemas marinhos, desta vez relacionados ao Oceano Atlântico Sul. A pesquisa Extreme compound events in the equatorial and South Atlantic foi publicada nesta quarta-feira, 16 de abril, na Nature Communications, liderada pela professora da coordenadoria especial de Oceanografia Regina Rodrigues e com a participação de estudantes da UFSC, Universidade de Sorbonne, Universidade de Bern, Universidade de Bergen e da Organização de Ciência e Pesquisa Industrial da Commonwealth da Australia.
Os pesquisadores usaram dados de 1999 a 2018 para entender a ocorrência de três eventos extremos que atingem os oceanos: as ondas de calor marinhas, extremos de alta acidificação e de baixa clorofila. Os resultados mostraram que houve um aumento na intensidade e ocorrência simultânea desses eventos extremos durante o período analisado.
O estudo também identificou que desde 2016 esses extremos combinados têm ocorrido todos os anos, colocando em xeque a capacidade de sobrevivência dos ecossistemas marinhos. Isso afeta diretamente a atividade pesqueira e maricultura, tendo um efeito negativo na segurança alimentar de países da América do Sul e África adjacentes ao Oceano Atlântico Sul, onde o estudo foi feito.
Os dados abrangem seis diferentes regiões banhadas pelo Atlântico Sul e, no Brasil, envolvem Nordeste, Sudeste e Sul, em regiões que também cobrem o Uruguai e a Argentina. Geograficamente, a delimitação do estudo compreende o Atlântico Equatorial Ocidental (próximo à costa do nordeste do Brasil); o Atlântico Subtropical Ocidental (próximo à costa do sudeste e sul do Brasil); a Confluência Brasil–Malvinas; o Atlântico Equatorial Oriental/Golfo da Guiné; a Frente de Angola e Vazamento das Agulhas.
Regina explica que essas regiões foram selecionadas justamente pela alta produtividade biológica e pela riqueza na sua biodiversidade. Esses fatores podem levar a um maior risco para atividades econômicas que dela dependam. Além disso, entender melhor os mecanismos físicos que levam a esses eventos compostos pode aprimorar os modelos de previsão oceânica que contribuiriam para estratégias de prevenção para o enfrentamento dos impactos negativos.
A pesquisadora explica que o oceano é responsável por absorver 90% do calor da atmosfera e 30% do gás carbônico. Esses fatores têm gerado uma espécie de efeito cascata nos ecossistemas marinhos: a atmosfera superaquece e leva ao superaquecimento do oceano. Além disso, o gás carbônico deixa a água cada vez mais ácida. Combinados, o calor e a acidez afetam os organismos marinhos, sua reprodução e seu crescimento.
“Mas esses fenômenos das ondas de calor e de alta acidez poderiam ser de alguma forma aliviados se houvesse oferta de comida para as espécies. No entanto, identificamos que eles ocorrem simultaneamente a eventos extremos de baixa concentração de clorofila. Isso indica baixa concentração de algas microscópicas que são a base da cadeia alimentar nos oceanos. Ou seja, esse alívio de disponibilidade de comida não está ocorrendo”, pontua Regina.
Os dados das ondas de calor e das concentração de clorofila são coletados via satélite. Os da acidificação foram cálculos por membros da equipe a partir de outras dados como, por exemplo, alcalinidade. O período do estudo – de 1999 a 2018 – corresponde aos anos em que os cientistas tinham as três variáveis disponíveis justamente para avaliá-las de forma conjunta.
Combo ameaçador
Os cientistas viram que esse tipo de “combo” de extremos ficou muito mais comum e mais intenso nos últimos 20 anos, e que está piorando nos últimos anos. A pesquisa conta com representações gráficas separadas por localidade e este é um dado comum nas seis regiões estudadas.
“Na primeira década, esses extremos não ocorriam todos os anos permitindo a recuperação dos ecossistemas marinhos. De 2016 para cá, quase todo ano temos registros de altas ocorrências dos três fenômenos. Isso é bastante preocupante, pois pode levar a um colapso dos ecossistemas marinhos”, alerta a pesquisadora.
O estudo é um alerta sobre como os eventos extremos oceânicos nas regiões equatorial e sul do Atlântico afetam a vida marinha e o sustento de comunidades na América do Sul e na África. Na América do Sul, por exemplo, espécies podem estar migrando para costa do Uruguai e Argentina e impactando a atividade econômica de pesca no Brasil. Na África, há um risco inclusive para a segurança alimentar, já que a pesca é responsável pela oferta de proteína e nutrição em uma região afetada pela fome e escassez de alimentos.
“Nós estudamos os mecanismos físicos que levaram a essas ocorrências para identificá-los em modelos de previsão e para que a previsão possa dar possibilidades de respostas às comunidades”, explica Regina. Por exemplo: se for possível prever a incidência de ondas de calor combinadas à acidificação e baixa clorofila é possível antecipar políticas públicas para pescadores ou maricultores que certamente serão impactados pelo fenômeno.
“Nossas análises também mostram que esses eventos extremos são interdependentes, e, como tal, são de fato compostos. O aquecimento oceânico combinado com a acidificação e pouca disponibilidade de comida pode afetar negativamente a sobrevivência, crescimento e desenvolvimento de muitas espécies e causar mudanças na estrutura das comunidades”, alerta o estudo.
Corais
Em março, Regina, pesquisadores da UFSC, da Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Universidade Estadual de Santa Cruz já haviam publicado uma outra pesquisa sobre o comportamento dos oceanos em meio às mudanças climáticas. A pesquisa publicada na revista Communications Earth & Environment do Grupo Nature revelou que o ano de 2020 foi marcado pela maior onda de calor marinha já registrada no Atlântico Tropical, o que resultou em um evento histórico de branqueamento de corais na costa brasileira.
As ondas de calor marinhas, conforme indicam os estudos, tornaram-se mais frequentes e intensas já a partir de 1982, mas tiveram um impacto severo, em 2020, causando mais de 90% do branqueamento dos corais na costa do Rio Grande do Norte.
Os pesquisadores entendem que, caso não haja uma diminuição rápida nas emissões dos gases do efeito estufa, eventos como esse devem se tornar ainda mais comuns e intensos, ameaçando a biodiversidade. “A compreensão desses mecanismos é vital para proteger o oceano e as pessoas que dele dependem. Precisamos de políticas baseadas na ciência para garantir a segurança alimentar e o equilíbrio ambiental”, conclui a pesquisadora.
Fonte: Amanda Miranda | Jornalista da Agecom