
Carne celular, clonagem, estudo de doenças, produção de medicamentos. Tudo isso pode parecer desconectado à primeira vista, mas há um ponto em comum: a necessidade de células animais. Um novo espaço na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), inédito no estado, vai ajudar a estabelecer novos parâmetros para pesquisas nas áreas de saúde, biologia e biotecnologia. Trata-se do Multicell — o banco de células da UFSC — localizado no Centro de Ciências Biológicas, mas idealizado em parceria com o Centro de Ciências da Saúde, por pesquisadoras dos dois centros. O espaço começou a receber suas primeiras linhagens celulares e se prepara agora para uma nova etapa de estruturação.
A professora Gislaine Fongaro, coordenadora do banco, explica que o primeiro passo para a plena operação da estrutura vai até agosto de 2025, com os recursos do Programa MultiLab SC – Laboratórios Multiusuários da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc). O investimento permitiu a compra de equipamentos, estruturação de um novo espaço físico e também a compra de células de bancos internacionais.
Sem um banco de células, os pesquisadores que utilizam células vivas como parte dos seus estudos e investigações precisam comprá-las de bancos internacionais. A nova estrutura da UFSC atuará colaborando para pesquisas institucionais, como centro de suporte, abrindo uma frente de trabalho que dará mais autonomia e independência a cientistas de diferentes áreas biotecnológicas.
O banco de células está apto a realizar atividades como a criopreservação celular, propagação celular, autenticação celular, controle de qualidade celular e a capacitação de recursos humanos em técnicas de cultivo e propagação de células animais para fins biotecnológicos.
A atividade é fundamental para estudos que utilizam células em qualquer uma de suas etapas e busca, basicamente, verificar se uma determinada linhagem celular corresponde geneticamente àquela declarada ou de interesse do pesquisador. Essa é uma etapa relevante para garantir que um estudo não está utilizando células contaminadas ou mesmo trocadas por engano.
“Este seria um trabalho inédito no Sul do Brasil. Estamos nos estruturando para, com técnicas de sequenciamento, confirmar que esta é a célula mesmo que interessa à determinada pesquisa. Hoje essa autenticação precisa ser feita em outras regiões”, explica. A autenticação seria semelhante a um controle de qualidade da célula.
Diversidade
Um banco de células, explica Gislaine, não responde somente a uma linha de pesquisa ou interesse determinado, por isso a equipe de trabalho já é multidisciplinar. A biomédica Bibiana Sgorla, do Laboratório Multiusuário de Estudos em Biologia (Lameb), e as professoras Ariadne Cruz, da Odontologia e Izabella Thais da Silva, de Ciências Farmacêuticas, também atuam na estruturação do banco, que veem com muita potencialidade.
Um dos diferenciais do Multicell também está relacionado à possibilidade de reduzir experimentação in vivo, que utiliza animais vivos em pesquisas como as que estudam doenças ou respostas de medicamentos.
A cultura celular também pode ser aplicada em pesquisas que resultem na produção de vacinas e em ensaios e testes com cosméticos, o que registra a necessidade e potencialidade de um banco como o que está se estruturando na UFSC. “Nossa próximo passo é avançar nos protocolos para ter um portfólio e para que os pesquisadores possam escolher, no banco, as células com as quais irão trabalhar”.
Próximos passos
A multiplicação das perspectivas para a pesquisa e a extensão a partir do banco de células passa por essa elaboração dos protocolos e também pela chegada dos insumos necessários para o cultivo celular.
Por enquanto, são nove linhagens – populações de células que foram isoladas de um organismo e cultivadas em laboratório, podendo se multiplicar por muitas gerações sob condições controladas.
No banco da UFSC, elas serão criopreservadas, técnica para a conservação das células por meio do congelamento a temperaturas muito baixas, em nitrogênio líquido. Também serão trabalhadas de forma interativa com outras estruturas em operação na UFSC. O Lameb, por exemplo, tem um equipamento chamado citômetro de fluxo que pode separar as células uma a uma e fazer a seleção direcionada por meio de biomarcadores.
Há outros equipamentos para aperfeiçoar o trabalho e possibilitar o avanço gradativo do banco. “Um exemplo são as cabines biológicas, estufas que mimetizam a respiração celular e microscópios com sistema de captura de imagem”, comenta a pesquisadora. Os recursos recebidos no edital também possibilitaram investimentos para a organização de controle de entrada e saída de pessoas e de sistemas de informação sobre as células.
Multiusuários
A Universidade Federal de Santa Catarina vai receber um montante de R$ 27.866.440,28 em 12 projetos submetidos por pesquisadores junto ao edital do Programa de Estruturação Acadêmica
Laboratório vai ajudar na formação de recursos humanos (Foto: Mateus Mendonça) para Laboratórios Multiusuários Dedicados à Pesquisa Avançada no Estado de Santa Catarina, da Fundação de Amparo a Pesquisa e Inovação do Estado (Fapesc). O recurso equivale a cerca de 25% do montante geral previsto pelo órgão de fomento.
O projeto, de acordo com o texto do edital, visa o fortalecimento de laboratórios de pesquisa científica e tecnológica de caráter multiusuário, por meio de implantação e melhoria da infraestrutura para que possam desenvolver pesquisas avançadas com tecnologia de ponta nas diversas áreas do conhecimento.
Amanda Miranda| [email protected]
Jornalista da Agecom| UFSC